SENHOR PROFESSOR!

Ontem assisti a uma conferência, na minha escola, sobre Fernando Pessoa. Não sei se lhe deva chamar conferência, porque, na realidade, ao que eu assisti mesmo, foi a uma aula como já não assistia há muito tempo. E pasmei! Pasmei, não só pela sabedoria, mas pelo entusiasmo com que foi dita: entusiasmo nas palavras que resplandeciam na expressão; entusiasmo nas sílabas pronunciadas com a medida exacta e que poetizavam os gestos; entusiasmo no verdadeiro saber, que não precisa das máquinas, para o ser. Pasmei literalmente e fiquei como que depenada, quando acabou.
Ontem eu tive à minha frente um professor que quase fez emudecer as paredes e que, num auditório repleto de jovens e de alguns professores, fez da palavra Verbo.
Ontem, Pessoa, na pessoa do Professor Doutor Mário Garcia, veio relembrar a importância da cultura e da Língua Portuguesa como Pátria, ao serviço de uma suprema missão civilizacional, tal como a via e se via o poeta.
Ontem, Pessoa e Reis e Caeiro e mais o Campos marcaram presença iniludível numa escola pública.Pesoa veio e trouxe com ele a sua Mensagem, que é Património Cultural da Humanidade, para nos lembrar que a arte e a cultura não podem ser fabricadas por estatísticas e que os professores não podem desistir da "Índia Nova", já que as especiarias que alimentam o espírito não entram em saldos.
Ontem ouvi, "sem desassossegos grandes", ou sem "invejas, que dão movimento de mais aos olhos", uma voz que, "com um saber de experiências feito", veio silenciar "a glória de mandar e a vã cobiça", unindo todos os que ali estavam, numa solidariedade cultural , num tempo quase sacro (pelo menos, como os meus sentidos o captaram), exorcizando os "vendilhões do templo" da era moderna.
Ontem apaziguei-me comigo e com o mundo. Palavra de honra que havia música em mim, "leve, breve, suave, como um canto de ave". No entanto, hoje, estranhamente, inexplicavelmente, regressou-me aquele cansaço superlativíssimo do Álvaro, como se a memória desse cansaço, que era dele, se tivesse posto em mim, com o mesmo peso com que ele o sentiu, numa eternidade de angústia.
E então descobri o neologismo angustíssima, superlativo do substantivo angústia que, no caso de ser um erro pesado e grave, como certamente o é, passará despercebido para a maioria de quem não sabe que "navegar é preciso, viver não é preciso".
Mas também quem me mandou falar da Índia e das naus de sonho?

Comentários

Cris disse…
Ah minha amiga de olhos de sol!
A vida ganha uma cor especial através de teus sentidos.
Amo você.
Anónimo disse…
Muito acutilante, mas sempre com a poesia de quem sabe,Senhora Professora!

M.João
Delfim Peixoto disse…
Inexplicavelmente não encontro palavra para descrever o que senti neste texto cheio de Saber e Sensibilidade; talvez uma : Amor ( à Língua Mãe )
Bjs muito sentidos
Anónimo disse…
Muitos parabéns,dr.Ibel pela sua abertura à comunidade.
Elisabete disse…
Quem me dera ter partilhado esse momento de encantamento. É isso mesmo, o amor à Língua Mãe e àquilo que somos, mesmo nos momentos de angústia.
Beijinho com carinho e gratidão
AC disse…
Ainda a propósito de luz, não sei se sabe mas a sua escrita tem muita. Quem a lê sabe isso, e agradece.
Sara disse…
Ibel, desculpe se o meu comentário fôr um pouco "duro"
É isto a Escola, a Educação, o Saber, a Arte. Essa conferência deve ter sido um lago no deserto onde bebeu e matou a sua sede da verdadeira alma da Literatura e pelo que li, por um bom Mestre. Seria isto que a d.ª MLR, porque assumidamente para mim ele é minúscula como mulher e ministra, deveria ver das escolas e dos professores e até dos próprios alunos e não jogar com o facilitismo e "passagens obrigatórias" ; ou seja, os professores estão, neste momento a lutar por uma avaliação justa e os governantes querem que os professores não avaliem os alunos, passando-os de ano ou ciclos para subir as médias de sucesso. E eu hoje tbm me entristeci por em si sentir as dores de quem leva a profissão muito a sério. Que no mínimo, estes momentos nos levantem a auto-sestima e renovem forças para a luta que me parece terá de ser sanguinária... Bem Haja!
Um Beijo
Anónimo disse…
ola stora. Apesar de ainda não termos dado Pessoa, quem me dera ter ouvido esta palestra.

Bjinhs
Anónimo disse…
Ficou tudo dito por ti. O que sentiste e o que também senti, mas que nunca diria tão bem.
Mar de Bem disse…
LIA:
Curvo-me à tua capacidade analítica, à tua capacidade em ser e estar atenta, à tua sabedoria, ao teu navegar em núvens redondas e gordas que parecem suster o teu augusto e excelso vôo pelos ares e mares duma imensa imaginação poética. Curvo-me, portanto, a ti minha Amiga e mana!
Anónimo disse…
Ibel ou Lia é sempre melodia!

Para a semana vou visitá-la á escola.

Beijinho
Anónimo disse…
Essa música em si, "leve, breve, suave, como um canto de ave", tem que continuar. Não se deixe esmorecer pela angústia. Vamos todos gritar: "Deixem-nos ser professores."
bjinho.
Isabel
Anónimo disse…
Obrigada pela lição tão bonita, e cheia de sabedoria.
Peça aos professores modernaços se sabem o que quer dizer ortónimo e heterónimo.Talvez fosse bom perguntar à sra ministra e ao engenheiro mor do reino se sabem o que é a "Índia Nova e as naus de sonhos".

Carla
Anónimo disse…
Gosto muito da sua escrita e na minha escola, a Ibel é já uma referência.Já vi que o Ramiro Marques tem o seu blog assinalado.Parabéns!
Anónimo disse…
Sim...foi isso que aconteceu,foi isso que sentimos.E falo no plural porque os nossos olhos,numa atitude de cumplicidade franca,denunciavam satisfação e encanto por aquilo que ouviam.
Como tive oportunidade de dizer quando fiz a apresentação do Professor Mário Garcia,foi a forma cativante,lúcida e sobretudo simples de partilhar os seus profundos conhecimentos com aqueles que o ouvem,que me fez insistir na ideia de o trazer à escola.
Volto a insistir nos efeitos que as palavras do professor M G produziram em nós,seus ouvintes-satisfação,encanto e ao mesmo tempo «medo» neste sulcar por mares (já)navegados,mas que pareciam abrir-se,pela primeira vez,dada a magia,a delicadeza FORTE da palavra e o saber do capitão do navio,que remava/rumava,sem ter pressa em chegar ao cais.E nós também.Não tínhamos pressa em chegar,tínhamos pressa sim,em ficar...ficar a viajar no mundo FANTÁSTICO e DENSO do poeta Pessoa.
No Recital de Poesia,apercebi-me que tínhamos matéria prima para repetirmos a experiência.Vi nos olhos do Professor prazer e encantamento à medida que ouvia as palavras do poeta ditas por nós e pelos alunos.
Bendita a hora em que conheci o Professor Doutor Mário Garcia e muito obrigada,Senhor Professor,pelas palavras encorajadoras que me disse à saída da escola,referindo-se à nossa classe e que passo a citar:
«É MUITO IMPORTANTE A FANTASIA(...)VOCÊS VÃO SABER SAIR DO MOMENTO QUE ATRAVESSAM».
Estas palavras,Professor,deram-me ânimo para continuar a lutar por um ensino digno em que o sonho e a fantasia continuem a ser o baluarte do nosso futuro,não esquecendo nunca,de o fazer passar aos nossos alunos,seres em marcha na «visão» do devir.
Anónimo disse…
Adorei o texto e sinceramente adorava ter assistido à conferência.

Andei à procura na fnac de um livro com a obra completa de Fernando Pessoa mas não encontrei nada que me agradasse completamente. De qualquer forma, não vou desistir!

Beijinhos,

Inês das 3as e 6as
Raquel disse…
Um doce .... amei sua sensibilidade
Bjnhs
Anónimo disse…
Que inveja!
Anónimo disse…
Conheço o professor Mário Garcia e sei o quanto esse SENHOR sabe de Pessoa, além de ter uma sensibilidade apuradíssima.ele é um poeta,por isso houve essa empatia.

N.R
Anónimo disse…
Poeticamente bem escrito este texto!
Adorei, por isso te dou os meus parabéns!

Beijo
Anónimo disse…
Saudades de andar perdida em Pessoa pela mão da Professora... :)

Marta.
Anónimo disse…
E eu professora não vejo a hora de andar perdida em Pessoa, em Camões... embalada pela sua voz.

Beijinho

Mafalda

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