LINDO E PONTO FINAL


Na minha vida de professora com trinta e cinco anos de serviço, fui encaixilhando, na memória e no coração, rostos de meninos e de meninas que vi desabrochar e florir com formas e com cores variadas, com perfumes ora doces ora agrestes, ora claros ora escuros, ora garridos ora pálidos.
Por mais que se diga, não se consegue gostar de todos os alunos da mesma maneira, o mesmo se passando com eles em relação aos professores. É tudo um processo normal, pois o coração selecciona tudo de acordo com os acordes que lhe ressoam mais musicais.
Tento amar os meus alunos todos e gosto que eles gostem de mim. É uma vaidade da qual não prescindo. E gosto que enriqueçam a sua sensibilidade, despertando-lhes o gosto para a poesia e para a arte.
E retomando a música e a arte, quero recordar um aluno lindo que se chamava Maximiliano.Era alto, elegante, olhos verdes e olhar malandro e simpático. Gostávamos um do outro, numa empatia que se deu à primeira vista. O Max gostava de português e de textos bonitos, sobretudo da poesia lida com fundo musical, mas o nome das figuras de estilo, incomodava-o" O texto é lindo e ponto final, professora! É como quando toco Mozart. Sei que gosto dele e dos seus acordes e ponto final. Complica-se tudo e a vida é tão curta!". Hoje, com os meus cinquenta e sete anos, sei que ele tinha toda a razão!
Quando acabou o secundário, veio despedir-se de mim e disse-me que nunca me iria esquecer e, naquele tom brincalhão que o caracterizava, "Ó professora, devia ter nascido mais tarde!" e logo eu "Ou tu teres nascido mais cedo". Rimo-nos muito e ele partiu para o seu mundo de arte e de piano e para os acordes de Mozart onde não havia figuras de estilo.
Encontrei-o mais tarde como professor de música. Lindo, feliz, casado e com uma filha maravilhosamente encantadora. Recordámos o passado e ele voltou às figuras de estilo e à grande maçada que lhe provocaram. Risos de novo e sempre aquele olhar brilhante e cheio de vida onde a morte traiçoeira espreitava.
Passados uns tempos, soube que o meu querido Max, o meu aluno artista, o meu aluno lindo estava com uma leucemia e tentava-se a salvação na Inglaterra. Soube também que estava submetido a um tratamento violento e completamente isolado, como numa redoma.Só podia ver a família através duma porta de vidro.
Chorei pela crueldade daquela doença e porque conhecia a alma do Max e adivinhava o que ela sentia. Chorei pelo peso do capacete de aço que sufocava a órbita de sol duma espiga que era uma promessa de trigo num campo extensíssimo de verdura plasmada num olhar de ternura.
Ainda hoje vejo o Max, no fundo da sala a sorrir, sempre a sorrir com acordes de Mozart. Continua lindo, indiferente à morte que ainda o não colheu enquanto o olho também a sorrir.
Max, desculpa se falo de ti, sem deixar de utilizar figuras de estilo, mas onde quer que me leias, não as identifiques. Complica-se tudo e a vida é tão curta! Recolhe apenas Mozart e os acordes da tua beleza. E ponto final!



Silêncio de sombras.


Um penoso, profundo e pesado silêncio
Com capacete de aço
Sufocou a órbita do teu sol.

Mas que sabemos nós
Dos deuses
Guardadores do fogo?

Cintilantes
As estrelas enganam
Os olhos
Lentos
Cegos
Para a célere corrida.

Bonifrates do destino somos
Mas acreditamos
Que os álamos translúcidos
Nos protegem das sombras
Por mais tempo
A uns.
A morte a todos
Todavia.

Comentários

Anónimo disse…
Lindo o Max e seu pai já também na sua companhia... linda a tua memória nas figuras de estilo que o coração te ditou...
Lindo o teu gostar de ser professora e o gostar que gostem de ti... Quem disser que não gosta disso não gosta de si nem da vida.
Lindo e ponto final.
irmã Cinda
Anónimo disse…
O brilhantismo está, de facto, nas pequenas coisas...frase brilhante essa - "Complica-se tudo e a vida é tão curta!".
Pulando de dia em dia, repeti-la-ei com firmeza, para dela não me esquecer.
E precisamente porque é curta, NÂO adiemos os gestos de amor:

"É urgente o amor

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,

Ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.


É urgente inventar alegria,

Multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e risos

e manhãs claras.


Cai o silêncio no pano e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer."


Eugénio de Andrade
Anónimo disse…
A mim sempre me ensinaram que a vida não era aquele mundo cor de rosa que uma criança pintava, inocente....a mim sempre me ensinaram que a vida por vezes era injusta, cruel.
No entanto temos que encarar a vida de frente sem lhe mostrar medo, e perguntar porquê ele?
Mas neste momento considero que para mim a vida não foi esse bicho de sete-cabeças, pois exactamente à 17 anos podia ter perdido minha mãe na idade da inocência, mas por mim lutou e sobreviveu!!!é como o Max vai lutar pela sua filha!!!
é dificil mas a vida é mesmo assim como a stora diz e o Max diz/dizia toda uma historia tem um ponto final, tal e qual a historia da vida terá um ponto final quando chegar a hora certa .
Anónimo disse…
Cindinha,

É mesmo como tu dizes e lindas são também as tuas palavras. Também conheceste o Max e eras muito amiga do pai. Tenho pena que ele tenha partido sem ter lido esta pequena homenagem ao filho.
Gosto mesmo dos alunos e ponto final.
Anónimo disse…
Estrelinha,

"É urgente o amor", sim senhor.E também a vida e a realização pessoal. Aliás,não cocebo a vida sem essa belíssima conjugação.Por isso:
"Segue o teu destino
Rega as tuas plantas
Ama as tuas rosas".
Ricardo Reis
Um dia feliz!
Anónimo disse…
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Anónimo disse…
joaninha,

De "apressada",passaste a menina segura e vieste com nome próprio e falaste de ti e de um nota do teu passado que hás-de explicar melhor, se quiseres.
A alegria vive em ti naturalmente, e já me proporcionaste bons momentos de humor. Não percas esse sorriso maroto cheio de sol e volta sempre que a tua vinda tem graça.
Recolhe os beijos que quiseres dos muitos que te mando.
Anónimo disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Elisabete disse…
Li, de uma assentada, os últimos "posts".
Só lhe digo que estou de lágrimas nos olhos. O que escreve deslumbra, emociona, comove.
E escreve tão bem!
Guardo os seus textos com muito carinho.
É um privilégio ser sua amiga.
Um beijinho
Anónimo disse…
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Anónimo disse…
Apesar de os pormenores como a estilística não serem mais do que isso mesmo:"pormenores", não consigo deixar de lhes prestar atenção...a sua escrita continua a ofuscar-me. Com certeza que, como músico, Max reconhece a importância da estilística, no entanto esta assume uma linguagem, na música, que não requer nomenclatura...daí a música ser a mais pura das artes (mas eu sou pouco imparcial,nesse aspecto).
As suas histórias deixam-me sempre nostálgica e, de certo modo, orgulhosa por ser sua aluna. Esta,em especial, deixou-me um travo de impotência que me "cega para o que há aqui".
Um bem haja a todos
Anónimo disse…
Olá, minha querida oriana,

O teu comentário reflecte sempre essa rica sensibilidade que te veste de poesia.
Quanto ao que dizes de mim, não sei se sou merecedora dos elogios, mas se me vês assim, só posso ficar envaidecida,vindo de quem vem.
Um dia hei-de falar de ti, quando deixar de ser tua professora.
Espero que continues a vir ler a alma da tua professora que te adora.
Beijinho
Anónimo disse…
Sim, provavelmente por isso e
Ibel disse…
Último anónimo

Não percebi o comentário.Não quer ser mais explícito?
Um abraço para si, seja lá quem for.

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