Orfeu fala a Eurídice
Aproximo a minha mão da travesseira
para dela levantar a tua nuca
com meus olhos fito a tua boca
flor de botão em tentação.
Vermelho fica, pois, meu coração
cacho maduro de macia cerejeira.
Suave, o movimento do teu peito,
tépido, o ardor do teu arfar,
e teus lábios, carne viva de cereja,
são doçura e paixão do mesmo jeito.
Emerge, da tua fronte, o teu olhar
e serves-me o amor numa bandeja!
Descem à terra deuses de verdade
laborando o amor que não morreu
enrolado no tom verde da saudade
vestes de pária, de andarilho,veste de Orfeu ,
e o teu peito recolhido junto ao meu
é um mar imenso de paz e serenidade.
(No inferno te busco, sendo céu
nas labaredas ardemos tu e eu).
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ESTIO À BEIRA-FRIO
Sinto no frio da água E no outono da folha O Inverno ch egado. Um certo desalento Um certo desagrado E uma paixão no mesmo assento. Porque será ? É agora o tempo Do crepitar da brasa E do silêncio recolhido No calor do livro. É tempo de carpir E de despir a árvore A folha desbotada. Mas se é lisa a fêmea vegetal Cobre-se de folhagem O chão E a fria paisagem Esquenta a emoção Da miríade miragem. O vento geme nos beirais E dos confins do céu Não há sinais de asas. A chuva é cântaro Mas crepita o lume E a mão espevita Lascivamente o livro. A página levanta a saia Num sorriso de catraia E faz-se estio à beira-frio.
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