A descansar o corpo, rodeei-me de alguns poetas de que gosto. Não sei se são dos que gosto mais. Sei que gosto deles e isso me basta para a tranquilidade dos dias.
Cada vez estou mais carente da palavra poética e do que ela me dá de consolação.

A palavra é como uma criança. É preciso (re)criá-la, depois de vir ao mundo em estado bruto.
Numa das suas últimas entrevistas, Manuel António Pina vem de encontro ao que defendo:
"Seduz-me a relação com as palavras, que é simultaneamente de inocência e de malícia. E seduz-me a capacidade formidável que têm as palavras de fazer sentido e de produzir sentido. A palavra “criar”, pelo menos em termos fonéticos, tem muito que ver com a criança; criança também é aquele que está em criação."

Verdade! O exercício da produção poética torna- se viciante e, tanto mais,quanto mais isolados estamos.

O isolamento permite a aproximação com o que é essencial: os lugares da infância e da mocidade, a casa paterna onde, no alto da idade, se entende lucidamente que foi de canto imaculado, de doce pão protetor.

A propósito disso,  António Pina “Os homens temem as longas viagens, os ladrões da estrada, as hospedarias, e temem morrer em frios leitos e ter sepultura em terra estranha, por isso os seus passos os levam de regresso a casa, às veredas da infância, ao velho portão em ruínas, à poeira das primeiras, das únicas lágrimas”.


Para o poeta, a ideia matriz da sua poesia era o lugar onde "pousar a cabeça" depois da morte. Ou seja, o poeta vivia "obcecado pela terra natal", embora tenha percorrido várias , já que o pai era funcionário das finanças. Voltar à terra natal é voltar ao ventre da terra onde se nasce.
Da mesma forma que vimos do ventre da mãe, há um regresso, uma espécie de percurso circular, ao ventre da terra.

A sua poesia é marcada pela obsessão da morte que o empurra para o " regresso" dos lugares felizes. Regresso que deve ser entendido como a convivência com que é absolutamente indispensável: infância, felicidade, ordem, harmonia, saudade, berço.
No poema "Amor como em casa", o poeta inicia um regresso , uma viagem circular ao passado, temática persistente que abordará em muitos outros poemas centrais do seu universo poético.



Amor como em casa
Regresso devagar ao teu sorriso
como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo"


Nota- outro poeta absolutamente fascinante Jorge Luís Borges

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