Uma tarde com o maior de Portugal. O Poeta!

Ainda me recordo do martírio da divisão das orações d' Os Lusíadas, terível Adamastor, quando a minha vontade era dizer a epopeia em voz alta.
Está lá tudo, desde a música da mais alta linguagem, afinada ao ouvido, até às vozes poderosas que ecoam no mais sublime edifício da língua portuguesa. Histórias, amores, canções, zangas, ralhetes, tudo numa construção intrínseca de maravilhoso e de real.
Como gostaria de ter aprendido a epopeia numa outro  acorde intelectual. Como gostaria de ter compreendido que há uma língua portuguesa antes do relato épico e depois dele.
Chamo a atenção dos meus alunos para aspetos que são negligenciados. A grandeza da história de amor de Pedro e Inês, feita de matéria lírica e que resultaria num êxito retumbante no cinema.
Um amor com a oposição do pai e do reino, a insistência nesse amor por Pedro,a contratação de dois assassinos que matam Inês, a fúria e dor insuportáveis do amante que obriga a corte a beijar a mão da " pálida donzela" e a punição brutal dos assassinos.
E depois temos toda um plano mitológico insuperável no que carrega de símbolos e de psicologia humana. Os deuses como alegoria da humanidade, com os seus vícios e virtudes.

E há ainda outros temas aproveitados, toda uma textura poética para falar de um mundo novo. O poema «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades /» , por exemplo, que  foi excecionalmente  aproveitado por José Mário Branco para compor um hino contra a ditadura,  num belo remate acrescentado : «E se todo o Mundo é composto de mudança / Troquemos-lhe as voltas / que inda o dia é uma criança.»

Camões é um enciclopédia completa, quer no lirismo, quer no tecido épico.
Pergunto-me como é possível ter sido desprezado e ter mendigado a esmola que Sophia de Mello Bryner tão pungentemente canta.


Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce
Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto
Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência
Este país te mata lentamente
—Sophia, “Camões e a tença"

Comentários

AC disse…
Já (quase) ninguém fala de Camões. Obrigado, Ibel, por me reavivar a memória.

Deixo-lhe um sorriso :)

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