É para ti que escrevo Paul Celan.
Precisavas da escrita para sobreviver.
Depois de Auschwitz, só o papel
era o teu diário das mágoas
o fiel confidente dos horrores
Escrevo para sobreviver, dizias
e traduziste os maiores poetas
os mais belos poemas de uma humanidade
faminta de caminhos e sal.
Os teus poemas, esses, asfixiaram o peito
de uma jovem de 18 anos que começa
a perceber que a literatura é o sítio
onde quer ficar
a seu território de sol
mesmo se são de pedras as sílabas.
Li-te muitas vezes e não imaginava
nem sonhava que a morte te andava
a cirandar na cabeça.
Escrevias para sobreviver
mas afogaste-te em mágoas
e no Sena, com 48 anos
incapaz de esqueceres os rostos
do holocausto e o cheiro a carne fétrida
dos meninos que sofreste
na transparência dos olhos.
Sabes que chorei por ti numa aula
quando li um dos teus poemas?
Nunca te esqueci e, como tu,
escrevo para viver,
para sobreviver numa respiração inadiável
companheira das minha horas sérias,
das minhas horas felizes,
mesmo se infelizes
porque sobrevivo pelas palavras
e com elas metade do alimento
é farinha, a outra fermento
essa velha história do pão
onde na boca cresce a fome
e as palavras são
alimento.

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